Em 2008, a RTP2 emitiu “161 programas dentro do género filme/telefilme, o que representou 1,8% do total de programas emitidos”; em 2009, a quantidade de cinema exibida foi ainda mais baixa, num total de “196 programas, representando 1% do total de programação”.
Esta é parte da informação que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) enviou em resposta ao requerimento da Senhora Deputada Catarina Martins.
O debate é já na próxima quinta.
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Daniel Marques responde às nossas questões
A poucos dias do debate Cinema na RTP2 - é já na próxima quinta -, temos o prazer de publicar as respostas de Daniel Marques às perguntas que temos colocado a todos os que seguem, com aprovação ou reprovação, esta causa. Pedimos a todos que sigam o exemplo do Daniel Marques e que façam ouvir a vossa opinião sobre o estado da programação do cinema no segundo canal ou, se preferirem, o estado da programação cultural em geral na televisão pública. As duas perguntas mantêm-se a todos os interessados. Enviem as respostas para peticaortp2@hotmail.com que nós publicamos e, a seu tempo, comprometemo-nos a fazer chegá-las aos responsáveis pela tutela da televisão pública.
Daniel Marques (Facebook)
1. Como avalia a actual programação de cinema da RTP2?
Para já, devo dizer que nem sou um especialista em cinema, nem venho do meio - e é por isso mesmo que posso falar à vontade sobre o tema. Não estou comprometido com nada ou ninguém, nem preciso de estar: o meu compromisso é com a cultura e comigo mesmo, e não há compromissos mais importantes que esses. Não me parece que, para ter uma opinião fundamentada sobre a programação da RTP2, tenha de ter este ou aquele diploma, ou ser amigo desta ou daquela pessoa. Para analisar bem um tema só são precisas duas coisas: primeiro, conhecer a realidade do tema que se trata; segundo, escolher as categorias de análise que mais poderão esclarecer o assunto.
Se queremos avaliar a programação de cinema da RTP2 temos de necessariamente estabelecer os critérios a utilizar na análise. A programação depende essencialmente de dois factores: um quantitativo, o número de filmes que são exibidos todas as semanas, e o outro qualitativo, que diz respeito à qualidade desses filmes. Quanto à quantidade, parece que não restam muitas dúvidas. É indiscutível que a RTP2 passava muitos mais filmes há uns anos atrás do que hoje. A este respeito basta dizer que a rubrica "5 Noites, 5 Filmes" praticamente desapareceu, o que faz com que a RTP2 passe hoje menos de metade dos filmes que habitualmente passava. (Se quisermos ser mais precisos, podemos dizer que, em média, passavam-se 7 filmes por semana, ou seja, 1 filme de segunda a sexta e 2 filmes no Sábado à noite, em sessão dupla. Feitas as contas, passámos portanto a ter uma exibição que equivale a 2/7 da programação original.) Isto significa que houve um claro retrocesso em termos de exibição de filmes.
O aspecto da qualidade dos filmes que passam é, contudo, muito mais discutível. Ao contrário daquilo que alguns críticos possam pensar, quantificar um filme de 0 a 5 é um disparate absurdo. Um filme é uma obra que só pode ser realmente compreendida se não for quantificada. A quantificação uniformiza, desvirtua e destrói a riqueza artística de um filme - e quem diz de um filme, diz também de um livro ou CD de música. Só uma apreciação subjectiva pode alcançar um entendimento global de um filme. Por outro lado, dizer que uma apreciação é necessariamente subjectiva não é o mesmo que dizer que ela não pode ter orientação nenhuma. A apreciação tem sempre, queiramos ou não, uma única orientação, e ela é a que o crítico adopta. Mas se o crítico não deixa bem claro quais são os seus critérios, ele cai facilmente em simplismos ou favoritismos bastante duvidosos. Por outro lado, a qualidade da programação de um canal não me parece proporcional à quantidade de filmes portugueses que são exibidos. A qualidade da programação também não depende exclusivamente da qualidade dos filmes exibidos, mas, sobretudo, dos critérios que se usam na escolha dos filmes e da maneira como eles são apresentados. Estes três aspectos têm de ser tomados em conta simultaneamente porque é da sua interligação que depende a qualidade da programação.
Para analisar a qualidade da programação seria necessário analisar cada um destes aspectos para uma grande quantidade dos filmes exibidos na RTP2, o que era impraticável aqui. Em vez disso, vou apenas dar algumas impressões subjectivas que, espero eu, vão clarificar o que penso. Primeiro, parece-me que a qualidade dos filmes que são exibidos não seja má. Por exemplo, há bocado estive a ver o filme "Welcome" (Philippe Lioret, 2009). Gostei. É um bom filme. E tão bons ou melhores que este podia citar vários outros. Portanto, não me parece que o problema esteja aí. Segundo, também não me parece que não haja critério na escolha dos filmes exibidos. Um exemplo rápido e elucidativo: lembro-me perfeitamente que, numa semana em que houve eleições, passaram dois filmes que reflectiam sobre o meandros da política na "Sessão Dupla". Portanto, ainda que o critério não seja inteiramente claro, isso não significa que ele não exista. Terceiro, também não me parece que seja terrível passar todo o tipo de filmes. Ou seja, a qualidade da programação não pode ser considerada má; o ponto importante, contudo, é que ela poderia ser muito melhor.
2. Que aspectos gostaria de ver mudados?
A programação de cinema da RTP2 pode ser melhorada de várias maneiras. Antes de mais, parece claro que restringir a programação de cinema a dois filmes em sessão dupla, no sábado, é algo que não faz sentido nenhum. Haverá alguma justificação válida para não se passarem mais filmes todas as semanas? Mas mesmo que só se pudessem exibir dois filmes, é perfeitamente possível reestruturar a programação no sentido de a melhorar. O principal problema da programação está na maneira como os filmes são apresentados. Não existe nenhuma contextualização do seu tema, nenhum acompanhamento teórico-estético, nenhuma informação sobre o autor ou sobre a obra, nenhum dado sobre a sua importância histórica. A ausência de um acompanhamento, acima de tudo pedagógico, vai contra a missão da RTP2 e contra os fundamentos do próprio estado republicano. A televisão pode e deve ser um meio de difusão da cultura e de instrução das pessoas, isto é, um órgão cultural que procura tornar público o acesso à cultura. Um excelente exemplo de um programa construído nestas bases é o programa "Grandes Livros", que dá a conhecer um livro por episódio, e procura compreendê-lo através da reconstituição histórica do contexto em que foi escrito. Este programa é a prova de como a cultura pode ser apresentada de uma forma interessante e acessível a todos, livre de academismos inúteis; na verdade, este programa faz mais pela cultura e literatura portuguesas do que os três currículos da disciplina de português do actual ensino secundário. A estrutura do "Grandes Livros" pode ser perfeitamente transposta para a análise de filmes, e nem sequer é preciso que os episódios tenham 50 min de duração. Mas se o problema for a falta de tempo, a verdade é que seria preferível passar um único filme na RTP2 durante a semana, devidamente enquadrado e contextualizado, do que dois, três ou sete filmes avulsos.
Daniel Marques (Facebook)
1. Como avalia a actual programação de cinema da RTP2?
Para já, devo dizer que nem sou um especialista em cinema, nem venho do meio - e é por isso mesmo que posso falar à vontade sobre o tema. Não estou comprometido com nada ou ninguém, nem preciso de estar: o meu compromisso é com a cultura e comigo mesmo, e não há compromissos mais importantes que esses. Não me parece que, para ter uma opinião fundamentada sobre a programação da RTP2, tenha de ter este ou aquele diploma, ou ser amigo desta ou daquela pessoa. Para analisar bem um tema só são precisas duas coisas: primeiro, conhecer a realidade do tema que se trata; segundo, escolher as categorias de análise que mais poderão esclarecer o assunto.
Se queremos avaliar a programação de cinema da RTP2 temos de necessariamente estabelecer os critérios a utilizar na análise. A programação depende essencialmente de dois factores: um quantitativo, o número de filmes que são exibidos todas as semanas, e o outro qualitativo, que diz respeito à qualidade desses filmes. Quanto à quantidade, parece que não restam muitas dúvidas. É indiscutível que a RTP2 passava muitos mais filmes há uns anos atrás do que hoje. A este respeito basta dizer que a rubrica "5 Noites, 5 Filmes" praticamente desapareceu, o que faz com que a RTP2 passe hoje menos de metade dos filmes que habitualmente passava. (Se quisermos ser mais precisos, podemos dizer que, em média, passavam-se 7 filmes por semana, ou seja, 1 filme de segunda a sexta e 2 filmes no Sábado à noite, em sessão dupla. Feitas as contas, passámos portanto a ter uma exibição que equivale a 2/7 da programação original.) Isto significa que houve um claro retrocesso em termos de exibição de filmes.
O aspecto da qualidade dos filmes que passam é, contudo, muito mais discutível. Ao contrário daquilo que alguns críticos possam pensar, quantificar um filme de 0 a 5 é um disparate absurdo. Um filme é uma obra que só pode ser realmente compreendida se não for quantificada. A quantificação uniformiza, desvirtua e destrói a riqueza artística de um filme - e quem diz de um filme, diz também de um livro ou CD de música. Só uma apreciação subjectiva pode alcançar um entendimento global de um filme. Por outro lado, dizer que uma apreciação é necessariamente subjectiva não é o mesmo que dizer que ela não pode ter orientação nenhuma. A apreciação tem sempre, queiramos ou não, uma única orientação, e ela é a que o crítico adopta. Mas se o crítico não deixa bem claro quais são os seus critérios, ele cai facilmente em simplismos ou favoritismos bastante duvidosos. Por outro lado, a qualidade da programação de um canal não me parece proporcional à quantidade de filmes portugueses que são exibidos. A qualidade da programação também não depende exclusivamente da qualidade dos filmes exibidos, mas, sobretudo, dos critérios que se usam na escolha dos filmes e da maneira como eles são apresentados. Estes três aspectos têm de ser tomados em conta simultaneamente porque é da sua interligação que depende a qualidade da programação.
Para analisar a qualidade da programação seria necessário analisar cada um destes aspectos para uma grande quantidade dos filmes exibidos na RTP2, o que era impraticável aqui. Em vez disso, vou apenas dar algumas impressões subjectivas que, espero eu, vão clarificar o que penso. Primeiro, parece-me que a qualidade dos filmes que são exibidos não seja má. Por exemplo, há bocado estive a ver o filme "Welcome" (Philippe Lioret, 2009). Gostei. É um bom filme. E tão bons ou melhores que este podia citar vários outros. Portanto, não me parece que o problema esteja aí. Segundo, também não me parece que não haja critério na escolha dos filmes exibidos. Um exemplo rápido e elucidativo: lembro-me perfeitamente que, numa semana em que houve eleições, passaram dois filmes que reflectiam sobre o meandros da política na "Sessão Dupla". Portanto, ainda que o critério não seja inteiramente claro, isso não significa que ele não exista. Terceiro, também não me parece que seja terrível passar todo o tipo de filmes. Ou seja, a qualidade da programação não pode ser considerada má; o ponto importante, contudo, é que ela poderia ser muito melhor.
2. Que aspectos gostaria de ver mudados?
A programação de cinema da RTP2 pode ser melhorada de várias maneiras. Antes de mais, parece claro que restringir a programação de cinema a dois filmes em sessão dupla, no sábado, é algo que não faz sentido nenhum. Haverá alguma justificação válida para não se passarem mais filmes todas as semanas? Mas mesmo que só se pudessem exibir dois filmes, é perfeitamente possível reestruturar a programação no sentido de a melhorar. O principal problema da programação está na maneira como os filmes são apresentados. Não existe nenhuma contextualização do seu tema, nenhum acompanhamento teórico-estético, nenhuma informação sobre o autor ou sobre a obra, nenhum dado sobre a sua importância histórica. A ausência de um acompanhamento, acima de tudo pedagógico, vai contra a missão da RTP2 e contra os fundamentos do próprio estado republicano. A televisão pode e deve ser um meio de difusão da cultura e de instrução das pessoas, isto é, um órgão cultural que procura tornar público o acesso à cultura. Um excelente exemplo de um programa construído nestas bases é o programa "Grandes Livros", que dá a conhecer um livro por episódio, e procura compreendê-lo através da reconstituição histórica do contexto em que foi escrito. Este programa é a prova de como a cultura pode ser apresentada de uma forma interessante e acessível a todos, livre de academismos inúteis; na verdade, este programa faz mais pela cultura e literatura portuguesas do que os três currículos da disciplina de português do actual ensino secundário. A estrutura do "Grandes Livros" pode ser perfeitamente transposta para a análise de filmes, e nem sequer é preciso que os episódios tenham 50 min de duração. Mas se o problema for a falta de tempo, a verdade é que seria preferível passar um único filme na RTP2 durante a semana, devidamente enquadrado e contextualizado, do que dois, três ou sete filmes avulsos.
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